Conhecimento é poder.

Conhecimento é poder.
Por que o ler faz bem ao que há dentro de nós.

domingo, 14 de junho de 2015

Sobre os laços que nos afetam


É um jogo muito simples esse tal jogo da vida, no qual nada deixar de ser apenas uma curta viagem de volta para casa: passa tão rápido quanto a nossa chegada ao lar das eternidades, dos mistérios que nos rodeiam e das crenças de que encontraremos as respostas de todas as perguntas.

No entanto, o que conta é o período em que ainda vagamos neste assustador-simplório limbo da liberdade; o que conquistamos, quem conquistamos e os laços que nos afetam.

Em uma conversa em uma mesa - que não era de bar - deparei-me com as lágrimas fáceis e sinceras de um amigo. Tinha de escrever sobre isso!

Falávamos sobre bondade, crueldade, interesses humanos, hipocrisia, vida e morte. Os principais ingredientes que compõem o ser humano na sua inexorável tentativa de ser humano. Nosso medo de partir e a certeza de que encontraremos tempo para tudo nos faz acreditar que nada nos fará mal, seremos imbatíveis a qualquer força. Contudo, há duas circunstâncias nesta vida da qual nos deve lembrar o quão frágeis somos: a primeira está na Bíblia, no livro da sabedoria, o livro de Eclesiastes, que já começa esclarecendo: Há um tempo exato para todas as coisas nesta Terra. E nesta exatidão do tempo, ampulheta que os físicos não podem controlar, está a segunda circunstância, aquela a qual mesmo os deuses gregos com todo seu poder temiam e nunca lutavam contra, fosse para salvar quem fosse. Mesmo Zeus temia a Moîra (o deus da Morte), que no momento em que Crisis clamou a ajuda de Apolo, que vinha em seu socorro em uma das batalhas de Tróia, viu-se completamente sozinho: Moîra vinha ao seu encontro, Apolo então recuou. Morreremos. Não escaparemos disto nunca, jamais. Mas ainda assim parece que alguns de nós passaremos a vida com a certeza de que antes de chegar a morte, teremos tempo de resolver as coisas da vida. Não teremos.

Em nossa conversa sobre a mesa, tateei uma das minhas pérolas (nem sei se era minha, mas era oportuna ao momento): pessoas como nós, escolhemos a vida que queremos ter, seremos brilhantes, iremos longe, voaremos tão alto que não saberemos aonde vamos chegar. O impulso que a vida nos dá faz com que tudo corra a uma velocidade tão forte que não sabemos aonde iremos, mas confiamos no nosso potencial, é ele quem dirige o carro. Não driblaremos a morte, mas faremos com que em sua chegada, não tenhamos medo: seremos tomados por ela em seus braços como velhos amigos que se encontram depois de muito tempo. E existem as pessoas que a vida escolheu. São as pessoas que não disporão de muitas oportunidades e que não se darão conta do poder e do potencial que têm. Não que elas não tenham chance de fazê-lo, mas estão acomodadas demais para tal. Será mais fácil viver e deixar a vida passar. Enganar e se achar por cima de tudo. É uma tristeza!

Mas os laços que nos afetam faz com que ainda possamos sentir pessoas que amamos. Sentimos a tal ponto de parecer saber chegar o momento exato de sua partida. Apenas por um telefonema ou por uma visita inesperada, sabemos o que aconteceu.

O que forma uma vizinhança, um bairro, uma pequena cidade, uma sociedade, o mundo? O amor, você diria. Sim, o amor forma muitas coisas com a mesma força que destrói. Se notarmos bem, somos sempre responsáveis por destruir aquilo que amamos. Temos esse dom de fazer com que algo tão puro consiga ultrapassar até mesmo o poder o ódio, que é tão forte e parece feito para destruir, apesar de ser o ódio um fruto do próprio amor. Até mesmo o amor precisa de uma medida certa. O amor na medida certa é incondicional, de fato. Não sabemos por onde ele começa ou onde ele irá terminar. Não somos conhecedores das Leis da atração. Tentamos desvendar isso, mas não há quem possa: independentemente daquilo que cada um acredita ou não, há forças neste universo que vão além de nosso conhecimento e, parafraseando mais uma vez a sabedoria bíblica do livro de Eclesiastes, "isto é somente vaidade e um eterno correr atrás do vento".

O que importa no amor é o tempo que ele ultrapassa, transpassa, na verdade. Transpassa os séculos daquilo que é verdadeiro, passa além dos quatro nomes do amor no conceito grego: ágape (ἀγαπή), o amor tido como incondicional; (eros) ἓρος, o amor dos amantes; filia (φιλία), o amor fraterno; 'estornigué' (στορνγή), o amor que espera algo em troca, que sofre. O amor do qual falo se passa por alianças, um casal que se ama e acredita no amor de tal maneira que de poucas maneiras consegue ver este amor refletido em um espelho ou em outro alguém. Mas há quem acredite no amor a tal ponto de senti-lo refletido em outras almas que se encontram. Acreditam no amor de tal forma que visam eternizá-lo, levá-lo ao mundo a frente como prova daquilo que é real, verdadeiro, único, como uma obra de arte que só foi feita uma vez e não haverá quem a faça novamente ou faça melhor. Não se pode conquistar o mesmo espaço. O amor é como tal. Não se pode conquistar duas vezes. Vive-se uma só vez e nesta uma só vez, estabelecemos os laços que nos afetam, nos unem e nos levam a uma mesa em uma festa a derramar rios de lágrimas que não são em vão.

Este tipo de amor, não nos permite enganar a morte: ela virá. Mas nos permite prever alguns acontecimentos: no mesmo lugar onde há muito amor, há também a lascívia, o interesse, a falsidade, o ter, o verbo que mais atrai e afeta o ser humano nesta vida, e até mesmo depois dela: não há no mundo quem se sinta feliz sem ter alguma coisam, nem que seja após a morte.

No entanto, acreditamos no amor a ponto de enganar a todos a nossa volta e simbolizarmos o amor verdadeiro em forma de uma aliança que se eternizará nos dedos daqueles que acreditamos viver o mesmo tipo de amor que vivemos. E a partir daí, até morrer faz sentido. Tomamos a morte como uma velha amiga no lugar de sermos tomados por ela. Fazemos com que sejamos lembrados e nunca esquecidos pelas batalhas que travamos a cada dia contra cada mal vivente nesta Terra que habitamos. Tornamo-nos mitos reais de uma história a ser contada com o passar de cada dia, cada ano, cada século. Seremos lembrados pelo que fizemos, por completo, na linha tênue do bem e do mal: todo sentimento excessivo é como amor em excesso, destrutivo. E todo o resto, são só os laços que nos afetam: que podem ter início numa leve tarde de brincadeiras sobre uma história que devesse talvez ser lamentada e termina em sinceras lágrimas em uma noite de festa, numa mesa.

E daí vem mais uma lição a ser aprendida: não sabemos nada do viver e da curta caminhada de volta para casa que é essa tal de vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário