Conhecimento é poder.

Conhecimento é poder.
Por que o ler faz bem ao que há dentro de nós.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Entrelinhas



Não tenho dúvidas de que houve um tempo em que acreditávamos que o tempo não acabava. Acreditamos piamente que a relatividade era uma mentira. Até que se descobrisse que a subjetividade em nós poderia confundir entre o que era o prazer de ser e de sentir versus o desprazer de sofrer e ter dor, ninguém imaginou que o tempo durava. 

Estar com alguém que amamos faz parecer que uma hora seja apenas alguns meros minutos. Contudo, estar em uma situação ruim, de perda, de dor, faz com que alguns minutos pareçam uma eternidade. E foi com este pensamento que cheguei aqui. Depois de tudo o que vivi ao longo desses trinta e seis anos, cheguei aqui. Cheguei exatamente no tempo em que deveria estar. Cheguei a um marco onde me pego para lá das dez da noite pensando no que o tempo fez comigo; e, também, no que fiz com o tempo. 

Para a mitologia grega, o deus Cronos vagou por toda a eternidade no Deserto das Almas Perdidas, por um tempo em que nem mesmo que ele, que era a metalinguística do próprio tempo em si seria capaz de calcular. Cronos simplesmente seguiu vagando por uma relatividade que se perdia - ou se fazia perder - numa eternidade que ele não poderia contar; ou não precisava.

Hoje estou aqui pensando, indagando, questionando: o que fiz - tenho feito - do meu tempo?

Somos ensinados desde cedo a viver o nosso tempo em função do amor ao próximo. Acreditamos na ideia de que o universo, ou Deus, em sua infinita bondade e misericórdia nos retribuirá. 

Em nossa infantil ingratidão, ficamos frustrados por não receber isso no tempo em que desejamos. Tempo. 

Sofremos pelas noite em claro ou mal dormidas pensando no que gostaríamos de ter sido, no que gostaríamos de planejar ser. Tempo. 

Passamos pelas entrelinhas de nossas almas perdidas em um deserto feito de nós mesmos; nossas escolhas ruins, os eventos que nos marcaram, as vezes em que sorrimos ou choramos, as emoções que sentimos e o silêncio que decidimos fazer para que o outro tivesse razão, ainda que soubesse que estava errado. Tempo.

Nas entrelinhas da minha história, o tempo sempre foi um ser curioso. Agiu como se não importasse o que eu quisesse ou sentisse. Agiu como um deus qualquer, em função dos seus caprichos ao ver-se imortal. O tempo agiu como simplesmente desejou. Não importasse os impulsos presos a minha alma, o seu desejo era o que determinava o curso da história, a que deveria ser minha. 

Ao longo da vida, o tempo faz com cada um de nós o que bem deseja. Enquanto passamos o tempo - ou o perdemos; ou o ganhamos - este simplesmente se vai, se esvai, feito água passando por entre os dedos, não nos permite que escrevamos a nossa história, pois, quando menos se espera, ele acaba. 

Ao longo da minha jornada, notei que o tempo passava rapidalentamnte de algo cronológico, para cairônico, aionico, até o caótico. Era o caos quem se ajustava dentro de mim e, enquanto eu era tempestade, o caos se acalmava e fazia ordem. E tudo isso levava de mim algo que eu não me dava conta se exatamente tinha ou não: tempo.  

O coração de todo indivíduo é um oceano de segredos, os quais apenas o tempo pode decidir por revelar ou não. O tempo carrega consigo suas verdades e nos dá de si para que tenhamos a nossa; porém, o tempo também gosta de ler nossas desditas e quer como recompensa, pelo tempo que de si usamos, a nossa história, a nossa verdade. Quer jutamente aquela que não queremos contar. 

O tempo é algo assustador: não sabemos se este passa ou se perde. O que sabemos é que, como um deus que é, estamos em suas mãos, aguardando que haja dele a mão que nos tire daquilo que nos desconforta ou nos afunde de vez para que, por uma eternidade nos afoguemos no mar de sua subjetividade, de sua relatividade, contando pelos ponteiros por dentro quanto tempo o tempo leva para que o tempo passe. 

Dentro daquele travesseiro de engrenagens tenhamos a oportunidade de entender o porquê de um deus tão poderoso fez-se tão egoísta e mesquinho a ponto de nos dar o dom de caminhar até aqui, mas decidir nos interromper logo ali, quando o mundo é uma esquina e não sabemos o caimnho.

E é este o medo que circunda até os que têm medo de expor seu coração ao tempo: não há o que esconder. Com o tempo tudo se revela, especialmente o coração do homem, suas feridas, seus medos, suas mágoas, suas marcas. O homem, descendente daqueles que não veem o tempo passar, não sabe aguardar pelo momento de um julgamento ou de uma vista do tempo. O homem o que sabe - se é que sabe - é que o tempo passa e, enquanto se perde tempo reclamando, não amando, não se dando ao luxo de viver o amor, o tempo lhe toma de assalto o único bem que lhe resta: a esperança de ter tempo. 

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Caos

Não se trata dos planos que fazemos para amanhã. Se seremos pais, se seremos pessoas famosas ou influentes, se daremos um discurso na ONU. Não é sobre o que fazemos hoje e que poderá desencadear numa cadeia de eventos que poderá mudar o rumo da história. Não é sobre isso.
Um homem sai de casa às seis da manhã, porque se atrasou alguns minutos - tipicamente ele sai às cinco e meia; às seis ele já está na condução. Em função do seu atraso, este homem acaba tomando o ônibus das seis e quinze e senta-se ao lado de uma mulher, uma bela mulher. Seus olhos azuis cativam o olhar de qualquer outro homem que cruza seu caminho, até mesmo algumas mulheres veem-se encantadas. Seus olhos se cruzam e, sem sequer perceber trocam seus contatos. O ano é de 1986 e não há muita tecnologia que os ajude a manter uma boa relação que não seja a distância ou a contar com a possibilidade de que destino, ou qualquer outra dádiva qualquer, permita-os ao encontro apaixonado enquanto buscam entre si mais intimidade. Dois anos mais tarde a mulher irá lembrar-se silenciosamente o quanto foi feliz em ter saído de casa quinze minutos mais cedo. Carrega em seu ventre o fruto de seu adiantamento, e do atraso de seu marido. Que sortuda eu sou, pensa.
O ano é 2016. Trinta anos se passaram, o casal já não dispõe da beleza de sua juventude, apesar de não perder o amor sentido um pelo outro. A chama jamais se apagou. E, exatamente neste momento, a união se faz maior. O fruto que com tanto amor criaram acaba de ser preso após uma série de assassinatos entre outros crimes por ele cometido. A mãe, de tamanho desgosto desiste de viver meses após a prisão do filho; o pai parte logo depois. De um rosto esquecido em uma cela de prisão por sabe-se lá de humana compreensão por quanto tempo, tornar-se-á a mera lembrança das cicatrizes de inúmeras famílias que perderam seus entes queridos por suas brutas mãos. Mãos de um fruto que partiu de um amor vivido entre um homem que se atrasara alguns minutos para tomar um ônibus e encontrara então a mulher que decidira naquele dia sair de casa quinze minutos mais cedo.
Mas não é disso que se trata. Não se trata do caos e sua cadeia de eventos que não podem ser controladas ou previstas. Trata-se do agora, de quem somos agora. Trata-se do cuidado que devemos ter sobre o quanto o passado pode influenciar no futuro, e não o presente; pois, amanhã será história. Uma mera história, quer esquecida, quer contada.
Trata-se do momento em que o que rompe a barreira entre a moral e o erro são o discurso daquele(a) que faz-se puta quando é santa ou santa quando puta.
O momento não é de medo. As lágrimas que deixam meus olhos não são pavor, são apenas alívio. Frutos de um abismo que se abriu diante de mim, face a uma terra que parecia prestes a engolir a si mesma para fertilizar-se de todo o bem ou mal que em si habita.
O momento atende às rupturas, à dessalinização de um oceano de correntes sólidas e formadas que se desatam entre si e abrem um novo mar.
Dentro deste mar, sobram as dúvidas entre o novo, o velho e o meio. Aquele que não está velho demais para ser usado sem medo nem novo demais para ser usado pela primeira vez.
O mundo sorri e daqui só sai a tristeza e a intempérie de não entender o que pede o coração, o que o corpo sente e como dizer o que se quer. A mente rompe em um mar sem-fim de desesperanças e desencantos. Não há medo, não há pavor, não há temor, não há morte, não há nada. Há um pouco de vida para os que querem procurar, mas o medo de viver nos faz letárgico. Como templários, defendemos o Sagrado, mesmo enquanto pecamos. Mas jamais admitiríamos os nossos pecados. Como mortais e filhos do Eu Sou, estamos acima do Bem e do Mal. Só o Eu Sou poderá nos julgar. Aos que não creem, paciência! Sofrerão dores piores do que aqueles que preferem não crer, os que renegam.
O frio da febre ferirá a boca daquele que maldisser o que há em si. Para Deus não haverá o beijo da morte a sussurrar o amor no clamor de quem sente a dor e a única coisa que muda é a boca que grita. Não se sabe se grita por perdão, por amor, por quê.
Dos valores que aprendemos, aplicamos a quem amamos e lamentamos o fato de não tê-lo de volta. Apenas sentimos muito! Somos bons nisso. Gostamos do poder das desculpas e do muito sentir.
E tudo isso, de uma cabeça louca e desvairada como a minha, o que vem não são planos. Não se pode pensar o que será daqui a um, cinco ou dez anos. Os planos tenderão a nos levar a frustração no fim. O futuro torna-se um terreno incerto demais para se acreditar poder investir suas fichas e apostas. No fim, nos sobrarão vermes e moscas. Isso é certo.
Mas daqui, só resta viver o agora. O doce e saboroso agora que um dia fez parte de uma história de duas pessoas que, por uma série de gamas, gradações e motivos inesperados e incalculáveis se encontraram em algum lugar no tempo e, cá estamos nós, sendo o seu efeito borboleta.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Problematizando o amor



Há um tempo atrás fui tomado pela seguinte pergunta: Moisés, para você o que é o amor?

Claro que já pensei mais de uma vez no que poderia significar isso para mim já que eu sempre sou uma pessoa primariamente tão complexa (na visão dos meus próximos) com relação aos sentimentos e a forma de atuar com o outro, que tomado pelo meu narcisismo (não vejo crime em ser narcisista ou egoísta!), acho que pessoas próximas a mim gostariam de saber como eu vejo aquele que é considerado o mais puro dos sentimentos - e por muitas vezes também o mais cruel!

Mas, para falar sobre o amor, gostaria de pensar em algo que fosse além daquilo que meus amigos viveram em suas experiências errantes, com ou sem sucesso. E, para não dizer que não falei das flores, as minhas experiências também.

Quis ler o amor, e sobre o amor, perdoem-me os franceses e os italianos, ninguém o definiu melhor que os gregos. Os gregos tinham seis formas de amar, isso é o mesmo que dizer que os gregos amavam de seis maneiras diferentes.

O primeiro amor dos gregos era conhecido como Eros, visto pelos gregos como uma forma perigosa de amar, por ser ardente e irracional poderia dominar e possuir uma pessoa. Não se tratando somente do amor da paixão sexual e o desejo. No entanto, apesar de passar pela reprovação de muitos, acho-o contraditório num tempo em que o que todos querem hoje em dia é apaixonar-se loucamente.

A amizade, muito mais valorizada do que o sexo pelos gregos, o amor chamado Philia, representava o sentimento profundo que se desenvolvia entre amigos, a ponto de fazê-los tornar-se irmãos. Tamanha atemporalidade deste sentimento que fez com que no livro de Provérbios 17:17, surgisse um pequeno versículo de significado gigantesco: Em todo o tempo ama o amigo e na angústia surge o irmão. O amor conhecido por Philia teve ainda uma vertente de si, Storgé (estorgué), que tentava incorporar o amor entre pais e filhos.

Crianças e jovens amantes também tinham sua forma de amar e este amor dava-se na diversão sutil, no flerte, nos olhares tímidos, hoje, para nós, nada mais é do que um dançar numa festa com um estranho, sentar-se em um bar com amigos, contando piadas, rindo... a esse amor, damos o nome Ludus, que resultou na palavra lúdico.

O amor incondicional, Agape, esses todos conhecemos, aquele que envolve negar a si mesmo em função do outro. Aquele da música da Ana Carolina com a Maria Gadu, Mais que a mim, e de muitas outras músicas, talvez seja um dos amores mais cantados. É o amor sofrido, o amor de quem está disposto a se dar pelo outro esperando o que o outro se dê de maneira igual sem entender que cada um tem seu próprio modo de demonstrar o amor e, se uma pessoa não lhe demonstra isso como você gostaria que ela fizesse, não significa que ela não o ame com tudo o que tem, é apenas sua maneira de demonstrar. No entanto, está quase que aqui o X da questão, sonhar, esperar, sofrer, culpar (se deu errado, foi sempre o outro quem errou, somos cheios de máculas, certezas, etc)...

Há ainda o amor maduro, o profundo entendimento de quem está com alguém há muito tempo e não sofre, não chora, entende o outro, são praticados entre o casal a paciência e a tolerância. De acordo com o psicanalista Erich Fromm, gasta-se muito tempo “caindo na paixão” e o correto seria aprender mais sobre como “ficar de pé no amor”. Este amor chamado Pragma tem uma profunda relação com saber ficar de pé no amor, saber fazer um esforço para dar amor ao invés de simplesmente recebe-lo, exigi-lo do outro.

Por último, o auto amor ou Philautia, que em uma definição de Aristóteles “Todos os sentimentos amigáveis por outros são uma extensão dos sentimentos do homem por si mesmo”.
Isso fatalmente não responde à pergunta:  O que é o amor para mim?

Para mim, o amor é amor. E isso é algo tão sólido quanto uma areia movediça!

O que vejo ao longo das minhas experiências pessoais é o amor sendo tratado como uma busca simplesmente desesperadora pelo ágape, todos querem alguém que lhe dê amor e poucas vezes se está disposto a retribuir de maneira igual. Toma-se um copo de cólera na expectativa de que o outro faça por nós o que dizemos estar dispostos a fazer pelo outro.
Cria-se uma guerra interna na qual o amor faz do outro uma propriedade. Não se sente amor, se tem o amor.
Nos nossos dias atuais, o amor é apenas algo que se tem para dar a alguém. Quantas vezes alguém diz sentir isso? Apenas se ouve dizer sobre ter. O amor em si, como sentimento abstrato que é tornou-se uma propriedade tangível, comprável, digna de ser posse de alguém em função do outro.
Por amor, há pessoas capazes de um tudo: chorar, sofrer, aprisionar, matar, pouco se é capaz de amar. A questão está em, somos mesmo capazes de amar? Somos maduros o bastante para entender o ser humano como algo livre? Nosso amor pelo outro deixa-o livre para ir aonde quiser e bem entender sem que soframos pela partida e apenas respeitemos o direito do outro de fazer de si o que melhor entender? Estamos mesmo aptos a entender o outro como queremos ser entendidos? Temos todos a capacidade de mudar o argumento ao invés de mudar o tom de voz como exigimos que o outro faça?
O que me vem à mente é uma frase de um autor do qual hoje não gosto tanto, mas já li muito (e ainda ouso algumas recomendações bibliográficas), Paulo Coelho, que em seu livro ‘As Valkírias’ traz a frase: “A gente sempre destrói aquilo que ama”. Por anos me coloquei a pensar na verdade embutida nessa frase. Quantas pessoas já não mataram por amor? E não falo somente do amor entre duas pessoas. Historicamente, o próprio deus dos cristãos que “É amor” e “também fogo consumidor”, foi a causa de muitas e muitas mortes nas mãos daqueles que apenas seguiram o mandamento de “Amar ao seu próximo como a ti mesmo”, que foram ao mundo e pregaram a Palavra. O amor que mata o outro e tira de nós o pouco que temos de dignos, de felizes, de fieis.
Pareço um Nietzsche matando o amor! Não é isso!
O amor tem muito de bom em si. Não há nada mais belo, mais amoroso do que uma mãe que após um longo tempo de dor para dar à luz sua criança, esquece-se da dor em suas lágrimas ao ter o filho em seus braços. Toda aquela dor não existe! E isso é amor!
O amor é muito!
O amor que está presente quando uma pessoa ajuda a outra: a um cego a cruzar um sinal, dar o lugar a um idoso no ônibus, alimentar uma pessoa ou um animal que tem fome, dar uma simples informação sobre um lugar, etc. Tudo isso é amor também.
Mas se eu tivesse de definir o amor em uma só palavra, diria que o amor é liberdade.
Ver algo livre, deixar livre é a maior prova de amor que há. Tudo aquilo que é livre volta a nós por espontânea vontade, por reconhecer ser nosso sem que precisemos avisá-lo. O que é nosso ouve no bater de uma onda que abraça a areia em sua saudade e grita o seu nome em silêncio, e volta. Ouve nosso nome no silêncio de um vento frio que lhe toca o rosto, e volta. O que é nosso, sempre volta, e o amor está envolvido nisso. É disso que se trata o amor.
Gostamos de sentir que somos amados, pois não sabemos viver sem simbolismos ou representatividades que nos leve ao outro ou o traga a nós.
Ainda acho cruel que consideremos o amor como uma oposição do ódio, pois acho que cada pessoa que consegue dizer sentir ódio foi aquela que muito amou. O ódio é um sentimento que tem o amor como base.
Se eu tivesse de pensar numa oposição para o amor, essa oposição seria a perda, pois no amor, somos dispostos a tudo, menos a perder.
E um dia alguém parou e me perguntou: “Moisés, para você, o que é o amor? ”
Pensei: Já amei mais que a mim. Já sofri por amor. Já deixei ir embora aquilo que amava por achar mais importante a liberdade. Sofro de um auto amor do qual muito me orgulho. Philia, tenho de sobra. Eros? Sim, por favor!, Pragma, não sei se chegarei a tê-lo. Nem sei se quero.
Por ora, o amor para mim, apenas é a ideia de liberdade.

E para você, o que é o amor?

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Aceita um copo de cólera?


E aí pensei: Vivemos num mundo onde a água é a cólera, e insistimos em dizer que é amor. Nossa água está contaminada com o surto de cólera dos anos 80, mas ele veio com efeito retardado. Agora se manifesta.

Neste exato momento todos tentam se justificar pelas decisões aleatórias que tomam para se manifestar. A verdade é que, ao que parece, depois de 2013, com as manifestações de junho, o brasileiro aprendeu a se manifestar: tudo agora é motivo para manifestação. Só que parecem insistir em gostar de manifestar-se do modo errado. O interessante, o divertido é manifestar-se uns contra os outros, deixando de lado quem realmente precisa ouvir os gritos.

Os gays são vítimas dos cristãos que os açoitam com sua Bíblia Sagrada que prega o amor; os cristãos são vítimas dos gays que se crucificaram em uma Parada Gay, tamanha foi a blasfêmia que mesmo os protestantes, que não idolatram imagens e cujo o Cristo já não se encontra pendurado em uma cruz, ofenderam-se.

A sociedade brasileira grita "Ditadura!". Há uma? Não deveria haver um ditador para isso? Há algum ditador gay, hétero? Algum ditador protestante, católico, ateu? Tudo é muito confuso! Os valores estão trocados de Sociedade brasileira para 'Verdades Secretas' e esse monte de lixo que a TV mostra e convence meia dúzia (ou uma dúzia e meia) de meias verdades das quais não há quem pesquise e busque a plenitude de respostas, a consciência. O mundo fica no meio. As pessoas ficam no meio. Em tempos de crise, a única coisa que todos querem fazer é economizar: entre dar uma mão e apontar um dedo, mais fácil apontar: economiza energia física. Dar uma mão a quem está no chão cansa muito. Julgar, apontar, apedrejar dá muito menos trabalho. Se o tão esperado Cristo voltasse hoje, ele não duraria um minuto na Terra, e seria por conta dos próprios "santos homens" que estão aqui que ele morreria, senão pelas mãos deles. Os "santos homens" seriam a reencarnação dos fariseus de outrora.

A guerra está formada e ninguém quer ser vilão da própria história. Afinal, Deus está do lado de quem vence, sempre. Só tenho medo da reputação dos perdedores. Temo que voltemos à Idade das Trevas e as pessoas comecem a ser queimadas como bruxas por exporem suas ideias. O insulto é liberado. O repúdio vem de todos os lados e entre um e outro, vê-se com clareza a falta de conhecimento sobre o tema. E o álibi para a falta de conhecimento está no próprio conhecimento (ou na ausência dele); todos querem se justificar pela própria ignorância e enquanto isso, o insulto rola a solta.

As pessoas parecem carregar a si mesmas como um fardo pesado e quando falta o chão, quando há dor nas pernas, um quer jogar o peso no outro (como se o outro fosse uma mulera) e o culpa se não se sente devidamente bem apoiado.

E o que era para ser amor tornou-se em cólera, em doença. A pregação do amor virou ódio e todo mundo é santo. Cada um tem o dom de admirar-se pelas próprias palavras. O século XXI, com o avanço da tecnologia fez todos filósofos. A velocidade que se compartilha ideias online poderia ser trocada por compartilhamento de atitudes no mundo real.

Já ouviu-se falar do amor nos tempos de cólera. Agora, vivemos as vinhas da ira nos tempos de cólera. Amar ao próximo como se não houvesse amanhã, ficou perdido nas linhas segmentadas de Platão, no campo das ideias.

Todos os valores sociais se perderam. A ideia do Bem tornou-se cristianismo e a do Mal homossexualismo. E tudo isso aconteceu em uma velocidade tão grande que ambos não notaram o sufixo -ismo em ambas as palavras. O mesmo sufixo -ismo que caracteriza (dentre outras coisas) alguns nomes de doenças: reumatismo, raquitismo, alcoolismo e muitos outros -ismos; a ideia do sufixo -dade, que caracteriza estado, situação, quantidade: homossexualidade (o estado de ser homossexual), cristandade (o estado de ser um cristão real), entre outros -dades, perdeu-se quase que por completo.
Há esperança, claro! Tem que haver. Mas no momento, estamos bebendo cólera e dando o copo ao próximo dizendo que é amor.
A ideia de hipocrisia, de sociedade hipócrita já passou. Já avançamos da hipocrisia para o cólera disfarçado de boa vontade.

O que sobra disso?
Jean-Paul Sartre: "O homem está condenado a ser livre".

sábado, 27 de junho de 2015

Sobre as fotos coloridas

Em menos de 24 horas, vi o mundo virar um arco-íris, quase que por completo. Mas também vi o outro lado, amigos e desconhecidos deixando claro que não trocariam suas fotos por uma razão ou por outra: violência no Mundo Moderno, crise financeira, violência no Brasil, no Rio de Janeiro, com os lêmures de Madagascar, etc; houveram amigos que fizeram piadas que provavelmente só foram engraçadas para eles mesmos (ao menos eu não ri!), pois até cheguei a lamentar a falta de conhecimento de alguns. Em uma observação mais aprofundada, devo dizer que boa parte dos posts de repúdio e opiniões "engraçadas" e afins foram notados em perfis de pessoas que mal concluíram o Ensino Médio, e acho que isso também simboliza alguma coisa, algo voltado à limitação de no máximo assistir canais como Rede Globo e Rede Record; provavelmente só compartilharam os posts do Boechat há duas semanas atrás porque foi algo viral - talvez nem soubesse o que estavam fazendo. Como foi o caso do mundo colorido de ontem para hoje.

Mas o que vem a mente? O que simboliza as pessoas mudarem suas fotos e colocarem-nas coloridas? Modinha? Que bom! Que torne-se o amor uma moda que dure, que as tendências prevaleçam ao longo dos tempos.
Falta do que fazer? Que ótimo! Ao menos a falta do que fazer nos fez fazer algo mais útil do que espalhar fotos e vídeos de um artista morto sem sequer respeitar o luto de sua família.
Cheguei a ver inclusive fotos de crianças africanas, morrendo de fome com o seguinte texto: o dia que forem fazer algo que realmente mude o mundo, me chame. Bem, acho que o ocorrido de ontem já é um ato que muda o mundo, não a sua geografia, a forma da Terra, mas a forma de conceituá-la, de ver e rever o próximo.

Preciso citar meu amado Renato Russo, em sua música 'Geração Coca-cola':
"Quando nascemos fomos programados a receber o que vocês nos empurraram com os enlatados de USA..."

Agora todos querem reclamar daquilo que receberam sem querer? Só serviu a conveniência? Isso também é modinha! Democracia já!

O fato é que a Geração coca-cola, essa geração esta lidando com um fato histórico, sim, e que recebemos mais uma vez como um enlatado de USA.

Parece que o que falta é de fato conhecimento sobre o tema. Já ouvi e li de tudo em menos de 24 horas em função de uma mudança de foto que viralizou e que, sim, mudou  muita coisa em mesmo tempo e vai mudar ainda mais em bem pouco. Todos verão!

O Brasil já tinha o casamento entre iguais desde 2013, isso já é sabido, mas ninguém deu importância.
Um dos grandes problemas é que todos parecem estar tratando o tema à luz de uma situação somente "agressiva" à "sociedade moderna" (dá um peso no coração que chega a doer dizer moderna de uma sociedade tão demodê!).

O discurso está fadado à mesmice: beijo gay na TV, educação gay na escola - este discurso é dos piores: tratam os gays como religiosos, acham que vão tentar "catequisar" as crianças à homossexualidade. Por favor, saiam da frente da TV, leiam algo, isto é um apelo urgente!

O tema do casamento entre iguais envolve segurança, estabilidade, direitos e é claro, o amor, este em primeiro lugar, acima de tudo, mas não necessariamente precisa ser o primeiro da lista. Está em primeiro lugar porque é o princípio de tudo.

E segue o discurso da Nave Apolo: um pequeno passo para o homem e um grande passo para a humanidade.

O presidente da maior potência do mundo, um negro de origem queniana que declara uma só coisa ao fim de um discurso de quase nove minutos: "Todos deveriam estar orgulhos disso".

#lovewins




quinta-feira, 18 de junho de 2015

O mar e eu

A saudade é o que faz com que o tempo pare.
Ter saudades é um tipo de nostalgia. Quando perdemos algo, seja o que for: uma foto, um objeto que gostamos, um bem valioso, uma pessoa amada, a liberdade, somos movidos pelo desejo de ter o tempo parado vendo apenas aquele momento a nossa frente, esperando que ele nunca acabe.
O mundo às vezes tem uma tendência à crueldade: parece se divertir enquanto sofremos, enquanto desejamos ter em nossos braços aquilo que ele mesmo nos levou.
Lembrar é para os velhos! Corremos atrás de nossas memórias durante a juventude sem nos darmos conta de que teremos algum momento a frente para nos lembrar (punir, vangloriar, rir e chorar) de tudo. No entanto, parecemos querer sofrer agora. Somos masoquistas de nossas mentes.
Existe uma memória que ainda jaz viva em mim. Mistura pânico, amor, pavor, ódio, alívio. Todos os sentimentos juntos num só ser que era eu. Era difícil acreditar que tanto pudesse caber em mim. Após estar privado de mim, ter sido tirado de mim, de dentro de mim saiu o mundo, saiu no grito. O momento é fácil de ser descrito: meus pés nus tocavam a areia molhada e as ondas do mar gélidas pelo abril despedaçado que se desembocava no mundo frio, cobriam meu pés; o mundo molhava-se em si e desaguava em mim. Um grito simplesmente saiu, antes mesmo que eu pudesse me dar conta da capacidade de contê-lo. Com a força que tomava, parecia que o mar abriria, seria possível ver o que havia do lado de lá, o que acontecia com aquele imensa linha que corta o horizonte, guarda o sol, expõe a lua e nos confunde.
A saudade é o que faz com que o tempo pare.
Chorei de dentro pra fora. Minhas lágrimas tinham o mesmo gosto das águas do mar, no entanto mesmo o mar foi capaz de sentir o sabor das minhas lágrimas e diferenciá-las do sabor das águas que haviam em si.
Chorei de fora pra dentro. Cai com os joelhos em terra e bebi da água do mar. Apenas diferenciei o sabor das águas comparando-as com o sabor do mar.
O oceano nos atrai e nos trai.

domingo, 14 de junho de 2015

Sobre os laços que nos afetam


É um jogo muito simples esse tal jogo da vida, no qual nada deixar de ser apenas uma curta viagem de volta para casa: passa tão rápido quanto a nossa chegada ao lar das eternidades, dos mistérios que nos rodeiam e das crenças de que encontraremos as respostas de todas as perguntas.

No entanto, o que conta é o período em que ainda vagamos neste assustador-simplório limbo da liberdade; o que conquistamos, quem conquistamos e os laços que nos afetam.

Em uma conversa em uma mesa - que não era de bar - deparei-me com as lágrimas fáceis e sinceras de um amigo. Tinha de escrever sobre isso!

Falávamos sobre bondade, crueldade, interesses humanos, hipocrisia, vida e morte. Os principais ingredientes que compõem o ser humano na sua inexorável tentativa de ser humano. Nosso medo de partir e a certeza de que encontraremos tempo para tudo nos faz acreditar que nada nos fará mal, seremos imbatíveis a qualquer força. Contudo, há duas circunstâncias nesta vida da qual nos deve lembrar o quão frágeis somos: a primeira está na Bíblia, no livro da sabedoria, o livro de Eclesiastes, que já começa esclarecendo: Há um tempo exato para todas as coisas nesta Terra. E nesta exatidão do tempo, ampulheta que os físicos não podem controlar, está a segunda circunstância, aquela a qual mesmo os deuses gregos com todo seu poder temiam e nunca lutavam contra, fosse para salvar quem fosse. Mesmo Zeus temia a Moîra (o deus da Morte), que no momento em que Crisis clamou a ajuda de Apolo, que vinha em seu socorro em uma das batalhas de Tróia, viu-se completamente sozinho: Moîra vinha ao seu encontro, Apolo então recuou. Morreremos. Não escaparemos disto nunca, jamais. Mas ainda assim parece que alguns de nós passaremos a vida com a certeza de que antes de chegar a morte, teremos tempo de resolver as coisas da vida. Não teremos.

Em nossa conversa sobre a mesa, tateei uma das minhas pérolas (nem sei se era minha, mas era oportuna ao momento): pessoas como nós, escolhemos a vida que queremos ter, seremos brilhantes, iremos longe, voaremos tão alto que não saberemos aonde vamos chegar. O impulso que a vida nos dá faz com que tudo corra a uma velocidade tão forte que não sabemos aonde iremos, mas confiamos no nosso potencial, é ele quem dirige o carro. Não driblaremos a morte, mas faremos com que em sua chegada, não tenhamos medo: seremos tomados por ela em seus braços como velhos amigos que se encontram depois de muito tempo. E existem as pessoas que a vida escolheu. São as pessoas que não disporão de muitas oportunidades e que não se darão conta do poder e do potencial que têm. Não que elas não tenham chance de fazê-lo, mas estão acomodadas demais para tal. Será mais fácil viver e deixar a vida passar. Enganar e se achar por cima de tudo. É uma tristeza!

Mas os laços que nos afetam faz com que ainda possamos sentir pessoas que amamos. Sentimos a tal ponto de parecer saber chegar o momento exato de sua partida. Apenas por um telefonema ou por uma visita inesperada, sabemos o que aconteceu.

O que forma uma vizinhança, um bairro, uma pequena cidade, uma sociedade, o mundo? O amor, você diria. Sim, o amor forma muitas coisas com a mesma força que destrói. Se notarmos bem, somos sempre responsáveis por destruir aquilo que amamos. Temos esse dom de fazer com que algo tão puro consiga ultrapassar até mesmo o poder o ódio, que é tão forte e parece feito para destruir, apesar de ser o ódio um fruto do próprio amor. Até mesmo o amor precisa de uma medida certa. O amor na medida certa é incondicional, de fato. Não sabemos por onde ele começa ou onde ele irá terminar. Não somos conhecedores das Leis da atração. Tentamos desvendar isso, mas não há quem possa: independentemente daquilo que cada um acredita ou não, há forças neste universo que vão além de nosso conhecimento e, parafraseando mais uma vez a sabedoria bíblica do livro de Eclesiastes, "isto é somente vaidade e um eterno correr atrás do vento".

O que importa no amor é o tempo que ele ultrapassa, transpassa, na verdade. Transpassa os séculos daquilo que é verdadeiro, passa além dos quatro nomes do amor no conceito grego: ágape (ἀγαπή), o amor tido como incondicional; (eros) ἓρος, o amor dos amantes; filia (φιλία), o amor fraterno; 'estornigué' (στορνγή), o amor que espera algo em troca, que sofre. O amor do qual falo se passa por alianças, um casal que se ama e acredita no amor de tal maneira que de poucas maneiras consegue ver este amor refletido em um espelho ou em outro alguém. Mas há quem acredite no amor a tal ponto de senti-lo refletido em outras almas que se encontram. Acreditam no amor de tal forma que visam eternizá-lo, levá-lo ao mundo a frente como prova daquilo que é real, verdadeiro, único, como uma obra de arte que só foi feita uma vez e não haverá quem a faça novamente ou faça melhor. Não se pode conquistar o mesmo espaço. O amor é como tal. Não se pode conquistar duas vezes. Vive-se uma só vez e nesta uma só vez, estabelecemos os laços que nos afetam, nos unem e nos levam a uma mesa em uma festa a derramar rios de lágrimas que não são em vão.

Este tipo de amor, não nos permite enganar a morte: ela virá. Mas nos permite prever alguns acontecimentos: no mesmo lugar onde há muito amor, há também a lascívia, o interesse, a falsidade, o ter, o verbo que mais atrai e afeta o ser humano nesta vida, e até mesmo depois dela: não há no mundo quem se sinta feliz sem ter alguma coisam, nem que seja após a morte.

No entanto, acreditamos no amor a ponto de enganar a todos a nossa volta e simbolizarmos o amor verdadeiro em forma de uma aliança que se eternizará nos dedos daqueles que acreditamos viver o mesmo tipo de amor que vivemos. E a partir daí, até morrer faz sentido. Tomamos a morte como uma velha amiga no lugar de sermos tomados por ela. Fazemos com que sejamos lembrados e nunca esquecidos pelas batalhas que travamos a cada dia contra cada mal vivente nesta Terra que habitamos. Tornamo-nos mitos reais de uma história a ser contada com o passar de cada dia, cada ano, cada século. Seremos lembrados pelo que fizemos, por completo, na linha tênue do bem e do mal: todo sentimento excessivo é como amor em excesso, destrutivo. E todo o resto, são só os laços que nos afetam: que podem ter início numa leve tarde de brincadeiras sobre uma história que devesse talvez ser lamentada e termina em sinceras lágrimas em uma noite de festa, numa mesa.

E daí vem mais uma lição a ser aprendida: não sabemos nada do viver e da curta caminhada de volta para casa que é essa tal de vida.