Conhecimento é poder.

Conhecimento é poder.
Por que o ler faz bem ao que há dentro de nós.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Entrelinhas



Não tenho dúvidas de que houve um tempo em que acreditávamos que o tempo não acabava. Acreditamos piamente que a relatividade era uma mentira. Até que se descobrisse que a subjetividade em nós poderia confundir entre o que era o prazer de ser e de sentir versus o desprazer de sofrer e ter dor, ninguém imaginou que o tempo durava. 

Estar com alguém que amamos faz parecer que uma hora seja apenas alguns meros minutos. Contudo, estar em uma situação ruim, de perda, de dor, faz com que alguns minutos pareçam uma eternidade. E foi com este pensamento que cheguei aqui. Depois de tudo o que vivi ao longo desses trinta e seis anos, cheguei aqui. Cheguei exatamente no tempo em que deveria estar. Cheguei a um marco onde me pego para lá das dez da noite pensando no que o tempo fez comigo; e, também, no que fiz com o tempo. 

Para a mitologia grega, o deus Cronos vagou por toda a eternidade no Deserto das Almas Perdidas, por um tempo em que nem mesmo que ele, que era a metalinguística do próprio tempo em si seria capaz de calcular. Cronos simplesmente seguiu vagando por uma relatividade que se perdia - ou se fazia perder - numa eternidade que ele não poderia contar; ou não precisava.

Hoje estou aqui pensando, indagando, questionando: o que fiz - tenho feito - do meu tempo?

Somos ensinados desde cedo a viver o nosso tempo em função do amor ao próximo. Acreditamos na ideia de que o universo, ou Deus, em sua infinita bondade e misericórdia nos retribuirá. 

Em nossa infantil ingratidão, ficamos frustrados por não receber isso no tempo em que desejamos. Tempo. 

Sofremos pelas noite em claro ou mal dormidas pensando no que gostaríamos de ter sido, no que gostaríamos de planejar ser. Tempo. 

Passamos pelas entrelinhas de nossas almas perdidas em um deserto feito de nós mesmos; nossas escolhas ruins, os eventos que nos marcaram, as vezes em que sorrimos ou choramos, as emoções que sentimos e o silêncio que decidimos fazer para que o outro tivesse razão, ainda que soubesse que estava errado. Tempo.

Nas entrelinhas da minha história, o tempo sempre foi um ser curioso. Agiu como se não importasse o que eu quisesse ou sentisse. Agiu como um deus qualquer, em função dos seus caprichos ao ver-se imortal. O tempo agiu como simplesmente desejou. Não importasse os impulsos presos a minha alma, o seu desejo era o que determinava o curso da história, a que deveria ser minha. 

Ao longo da vida, o tempo faz com cada um de nós o que bem deseja. Enquanto passamos o tempo - ou o perdemos; ou o ganhamos - este simplesmente se vai, se esvai, feito água passando por entre os dedos, não nos permite que escrevamos a nossa história, pois, quando menos se espera, ele acaba. 

Ao longo da minha jornada, notei que o tempo passava rapidalentamnte de algo cronológico, para cairônico, aionico, até o caótico. Era o caos quem se ajustava dentro de mim e, enquanto eu era tempestade, o caos se acalmava e fazia ordem. E tudo isso levava de mim algo que eu não me dava conta se exatamente tinha ou não: tempo.  

O coração de todo indivíduo é um oceano de segredos, os quais apenas o tempo pode decidir por revelar ou não. O tempo carrega consigo suas verdades e nos dá de si para que tenhamos a nossa; porém, o tempo também gosta de ler nossas desditas e quer como recompensa, pelo tempo que de si usamos, a nossa história, a nossa verdade. Quer jutamente aquela que não queremos contar. 

O tempo é algo assustador: não sabemos se este passa ou se perde. O que sabemos é que, como um deus que é, estamos em suas mãos, aguardando que haja dele a mão que nos tire daquilo que nos desconforta ou nos afunde de vez para que, por uma eternidade nos afoguemos no mar de sua subjetividade, de sua relatividade, contando pelos ponteiros por dentro quanto tempo o tempo leva para que o tempo passe. 

Dentro daquele travesseiro de engrenagens tenhamos a oportunidade de entender o porquê de um deus tão poderoso fez-se tão egoísta e mesquinho a ponto de nos dar o dom de caminhar até aqui, mas decidir nos interromper logo ali, quando o mundo é uma esquina e não sabemos o caimnho.

E é este o medo que circunda até os que têm medo de expor seu coração ao tempo: não há o que esconder. Com o tempo tudo se revela, especialmente o coração do homem, suas feridas, seus medos, suas mágoas, suas marcas. O homem, descendente daqueles que não veem o tempo passar, não sabe aguardar pelo momento de um julgamento ou de uma vista do tempo. O homem o que sabe - se é que sabe - é que o tempo passa e, enquanto se perde tempo reclamando, não amando, não se dando ao luxo de viver o amor, o tempo lhe toma de assalto o único bem que lhe resta: a esperança de ter tempo. 

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